Entrevista – Helene Sacco

por Leon Sanguiné

(Microsoft Word - Helene Sacco F341brica)

A palavra “casa”, assim escrita e assim lida, parece ter um sentido único. É o lugar onde a gente mora. Certo. Mas e o lugar onde a gente mora necessariamente é “casa”? E “casa” necessariamente é o lugar onde a gente mora? A verdade é que, aproveitando a proximidade do show e a matéria do companheiro Tom Magalhães, “a casa é onde quero estar”, podendo esse onde mudar tanto em relação à lonjura besta que é o espaço, quanto à lonjura desimpossível que é o tempo.

Há em Pelotas uma artista que vive como se tocasse um piano inventado por ela mesma. Helene Sacco, professora do CA da UFPel, dá vida a objetos cotidianos e conta, nesta entrevista para o E-cult, a sua paixão por inventar lugares.

Como a arte entrou na tua vida?

Essa pergunta eu nunca soube responder com exatidão, mas quando lembro da minha infância, vejo que muito do que faço hoje era experimentando lá. Desde um impulso frequente por arquiteturas, engenhocas, muito desenho e uma necessidade absurda de conhecer tudo que envolvesse arte, seja artes visuais, teatro e literatura. Sempre estive envolvida com criação na escola e fora dela já trabalhando com arte desde muito cedo. O meu primeiro trabalho remunerado foi no setor de criação com apenas 17 anos.

Tu expuseste na 8ª Bienal do Mercosul, realizada em 2011. Como foi o percurso até lá e como foi expor em um evento de tanta importância?

Quando recebi o convite foi num momento em que a minha produção estava implicada com questões sobre lugar. Explicaram que eu deveria criar algo para um espaço muito reduzido, e que seria uma vitrine de uma antiga fábrica de chapéus. Eu de imediato fiquei encantada com o lugar e com desafio e tinha visto durante uma viagem a Londres uma obra que até hoje me fascina que é o Gabinete de São Jerônimo, uma pintura muito pequena de Antonello de Messina, artista da primeira faze do Renascimento. Essa pintura propõe um espaço infinito. É como se o além-gabinete, a arquitetura e o mundo lá fora fossem parte de sua imaginação. O gabinete que ele ocupa na pintura me fez desmembrar essa pintura parte por parte estudando cada elemento até que encontrei nela uma vitrine e vi que poderia criar um diálogo entre os gabinetes, em que o meu seria o Gabinete Poético Urbano. Um lugar para ver e ser visto, mas principalmente para entender o que forma uma rua. Criei para esse gabinete uma mala-escrivaninha que volta e meia se desmembrava do Gabinete-vitrine e percorria a Rua Fernando Machado em Porto Alegre, que é uma rua de arquitetura muito peculiar, repleta de lendas urbanas e histórias de vida que são maravilhosas. Esse gabinete definiu um método de trabalho que seria uma marca nas minhas produções: Os inventários de objetos e uma relação sempre muito aproximada entre as palavras inventário e invenção.

(Microsoft Word - Helene Sacco F341brica)

Explica brevemente (ou não) o projeto da Casa-movente.

A Casa-movente foi um projeto existencial para além de uma arquitetura. Passei muito tempo na vida mudando de uma cidade para outra, vivendo em muitas casas e via uma construção muito peculiar em cada nova casa que morávamos e que ela se dava em muitos planos, não só na parte física, material, mas na ordem do sensível, das relações de vizinhança, com a paisagem, etc. Mas como mudávamos muito e não levávamos a casa conosco, me detive ao que nos acompanhava de lugar em lugar, onde as mudanças criavam um grande bloco formado por tudo de nós, os objetos cotidianos. Em cada novo lugar eles estavam lá, os mesmos, mas sob um ordem, “arranjo” diferente. Fiz uma lista dos que eu lembrava das minhas casas de infância e fui em busca em briques por Porto Alegre. A construção levou um ano, e essa casa possui tudo que é básico para o viver: água, luz quarto, banheiro, cozinha, sala, jardim, biblioteca. Ela é móvel e toda construída de mobília, sobre rodas e é possível escolher o lugar e o tempo de permanência. Ela une paradoxos, nômades e sedentários e de certa forma coloca em crise questões muito presentes no mundo contemporâneo, como habitação, mobilidade e obsolescência extrema de tudo.

De onde vem essa fixação por lugares?

Nos lugares encontramos a marca do que é humano e singular. O mundo hoje possui muitos “não-lugares”, esse é um conceito de Marc Augé, um antropólogo francês com uma produção fantástica, muito crítica e necessária ao mundo atual, principalmente no que tange a questão da mundialização do urbanismo pautado no habitar e viver de formas padronizadas e regidas por um capital motor, nem sempre implicado com as pessoas do lugar e com singularidade das cidades. Ao abrirmos mão da construção do lugar, abrirmos mão de muito mais coisas que é possível imaginar. Gosto muito de uma pergunta que Michel Serres faz. Ele pergunta: O que é a vida? Onde ela habita? Ao inventar o lugar os seres vivos respondem essa questão.

Conta um pouco sobre o Inventário no prédio da Brahma.

Foi um desafio, pois não há quase nada lá. Pensei em procurar pelas marcas do prédio, que são quase como cicatrizes, ferimentos do abandono. Foi um trabalho que fazia um movimento que levava o público a olhar mais o lugar do que os desenhos que beiravam a abstração. Desenhei um objeto-ferramenta, a caneta que fez os desenhos no espaço, numa dimensão muito grande num nicho da parede e ele passava quase despercebido em meio ao desenho que o espaço já oferecia. Foi um trabalho que tomava as marcas do tempo como desenho. E esse espaço, por ter sido inventariado em desenho, levava a carimbada na parede com a marca de LUGAR-INVENTADO.

(Microsoft Word - Helene Sacco F341brica)

Eu adorei o Gabinete da Objetoteca. Conta para o público do e-cult para que eles também possam adorar.

Parti para a criação desse Objeto-lugar de um arca de viagem náutica de 1912. Transformei em objeto fazendo das gavetas, estantes que eu dividi em ordens de 32 gavetas. Isso me deu espaço para a classificação de 96 espécies. Então comecei a escrever para construir, fui tentando fazer da lista de 96 classes de objetos um espaço de experiência para o público leitor que precisa, por exemplo, imaginar quais seriam as diferenças entre um objeto musical e um objeto sonoro. Junto à Objetoteca ainda tem a escrivaninha que fica sobre a arca e nela abro a possibilidade de participação do público para colaborar com a pesquisa inventariando do seu cotidiano mais objetos. É mais um trabalho que como os outros propõe uma viagem de inventário e invenção.

Qual a importância de projetos como o “Lugares-Livro”: Dimensões materiais e poéticas, que estás organizando?

Esse projeto de pesquisa procura pensar o livro como espaço assim como uma arquitetura. Livro é um lugar no qual um leitor habita. Propomos então a produção de livros de artista na modalidade de livros únicos e múltiplos em edições pequenas e independentes. Acredito que esses espaços proporcionam para o artista uma autonomia frente às instituições e é uma forma de expandir as fronteiras de visibilidade da produção.

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2 Comentários

  1. Gostaria de saber se o pessoal da segundalinha tem interesse em fazer um artigo para nós, https://biohabitate.com.br/artigos/casa-sustentavel-o-que-e-preco-material seguimos essa linha e vocês são realmente bons!

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  1. Novo blog do e-cult: Segunda Linha | e-cult | mídia ativa

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