Menos e melhores rimas

por Roberto Soares Neves

guido- rafael barros

Guido CNR. Foto de Rafael Barros

Nova onda de discos e mixtapes de rap apostam na qualidade acima da quantidade.

Depois de muitos anos escondido nos guetos, falando apenas para os seus pares, e mais alguns de expansão desenfreada, alguns dos principais nomes do rap pelotense apontam para uma nova fase de seletividade no gênero. Desde o ano passado, e especialmente nos últimos meses, vários discos e mixtapes vem sendo lançados em CD ou na internet, reunindo trabalhos que levaram mais tempo e cuidado para ficarem prontos do que de costume.

A popularização do rap, não só em Pelotas, como no país inteiro, coincide com a (ou se alimenta da) facilitação do acesso aos meios de gravação de música. Já há alguns bons anos, basta ter um computador rodando o FL Studio (ainda popularmente conhecido como FruityLoops) para qualquer moleque virar aspirante a Emicida. Para dar vazão a essa produção, as redes sociais completam o serviço. O resultado é que a gurizada se emociona, grava e lança freneticamente tudo que quer.

A sede e a carência

Esse upgrade na liberdade de expressão rendeu frutos para uma geração que hoje prefere focar na qualidade acima da quantidade. Vários vieram do K-Zero Alternativo, coletivo por onde passaram vários MCs e que gerou pelo menos um especialista em produção caseira: Pok Sombra. Além de soltar a sua mixtape “Aonde Vou Chegar” no começo do ano, ele produz beats e canta em vários outros trabalhos. “Essa parada de produzir veio da carência, de não ter as batidas. De a gente baixar uma batida na internet, gravar e, na hora de ir nos eventos, tinha outros caras cantando com a mesma batida”, ele lembra.

Um dos trabalhos com o dedo de Pok Sombra é a mixtape “Luz”, de Zudizilla, que saiu primeiro na internet e ganha as ruas esse mês. Zudizilla é crítico do “discurso prolixo”, mas se considera “um dos culpados” pela situação atual, junto o K-Zero Alternativo. “A gente não se importava com a qualidade, só com o fazer rap. Mas isso foi há seis anos. Ou seja, não dá mais pra pensar da mesma maneira. Ainda mais porque na época tais equipamentos não eram acessíveis”. Campeão pelotense de crítica, ele tem uma visão destoante do momento. “É comum MCs dizerem que fazem por amor, de cada dez, nove cantam isso. E nenhum passa por isso. Se fosse mesmo por amor ao rap, fariam o seu melhor. Mas não, nego só faz e já eras”.

zudizilla - midia casa fora do eixo pelotas

Zudizilla. Foto de Casa Fora do Eixo Pelotas

O yang do yin de Zudizilla é Garcez DL – a “NaturezAÇÃO” de Garcez, lançada em abril, inclusive compartilha com “Luz” a produção de Matheus Menega. Garcez é mais um k-zero, que tem tentado utilizar o conceito de “sweet home” para unir o cenário rap local. Uma das suas ideias foi dar espaços de tempo entre cada lançamento. “Acredito que, com geral se ajudando, a parada vai mais além”, afirma.

No mês passado, o grupo TrêsUmDois entrou para o time dos seletivos, com a mixtape “Resistência”. Perelló, membro e produtor do grupo, conta uma história semelhante. “A gente ia lá, largava dez sons em 20 dias, naquela sede do início, de fazer rap. Mas aquela parada de mixagem, de estudar o som, de parar pra fazer uma coisa limpa, ao nível que a gente goste de ouvir, a ‘Resistência’ é a primeira”. Ele também faz beats para vários outros MCs, mas diz que não se considera um profissional.

E bem antes desses, outra geração já desbravava o mundo do rap partindo da Princesa. Há 16 anos na batalha, Guido CNR é fundador do grupo que viveu a transição entre os momentos distintos do rap local, a Banca CNR. Com a Banca foram quatro discos. No ano passado, Guido lançou a mixtape solo “Fúria”, e esse ano tem algumas novidades na manga. Com o CNR Produções e a experiência acumulada, ele também é um grande incentivador das novas gerações. “Quando comecei, não tínhamos apoio nenhum. Eu sei das dificuldades de quem começa e, como eu tinha suporte pra apoiar os moleques, não ia me custar nada. Hoje tá aí um Bloodfill da vida, um Pok Sombra, sem falar de outros que cresceram dentro do meu estúdio, como Tropa FDG, entre outros, que só deram orgulho”.

A magia e o acabamento

Quem acredita que tem o que dizer e não pretende se autoproduzir, tem a opção de trabalhar com nomes que se notabilizaram exclusivamente pela produção e criação de beats, como DuckBeatz, M2 e Nick Beats. O produtor Paulo Celente vem organizando a coletânea Satolep Rap, só com faixas produzidas no seu estúdio Trupe Beat. Ele diz que a demanda no estúdio aumentou, mas faz coro com Zudizilla ao reclamar de MCs que fazem apologia a “drogas, baladas e dinheiro”. Com 11 anos de experiência, ele lembra que antes da popularidade “teve também muito sofrimento, preconceito. Diziam que não era música. Só que tem toda uma magia por dentro”.

dirty lion - JJ Maurício

Garcez Dirty Lion. Foto de JJ Maurício

Além do pessoal daqui, Matheus Menega já trabalhou com BNegão, Duke Jam e RZO. Recentemente levou seu estúdio pra Porto Alegre e agora foi parar em Barcelona, onde prepara seu próprio disco. Ele trabalha com outros estilos e apoia o movimento de qualificação que aplica nas próprias produções. “Eu penso que o rap é maravilhoso, as ideias, as letras, a postura. E acho importante aliar isso a um bom trabalho de acabamento”.

Nos próximos meses, o ritmo promete seguir acelerado. Devem dar as caras discos e mixtapes de nomes como NG Máfia, Bloodfill, Nossile, Tiago Vandal, Maninho RH e da própria Banca CNR, além de alguns dos supracitados. Você confere a seguir mais detalhes sobre algumas das principais produções recentes de rap em Pelotas, todas encontradas facilmente na internet.

pok sombra aonde vou chegar

Pok Sombra – Aonde Vou Chegar

Elemento fundamental do K-Zero Alternativo, produtor, beatmaker e incentivador de vários, Pok Sombra já tinha lançado “Meu Caminho” em 2009 e desde então vinha preparando a próxima mixtape. Por problemas do mundo das gravações caseiras, “Aonde Vou Chegar” teve sua produção reiniciada duas vezes. Liricamente, é uma viagem pelo mundo de Pok Sombra, pensamentos, sentimentos e a vida nas ruas da sweet home. No vocal e nos beats desfilam vários nomes do rap local, e a variedade se reflete no som, de inspiração soul, ora calmo, ora nervoso, com espaço pra reggae e guitarra distorcida. Como Pok Sombra não esteve parado nesse tempo, “Aonde Vou Chegar” deve ser sucedida em breve por um disco em parceria com o produtor curitibano Dario.

Dirty Lion – NaturezAÇÃO

A consciência social e ecológica do reggae aditivada de MPB, soul e inteligência. Trabalho solo de Garcez, o Dirty Lion chama atenção pelas letras que não só enumeram problemas como apontam soluções. Aparecem soltas em “NaturezAÇÃO” referências a pensadores diversos, dos acadêmicos aos de rua. É seu primeiro disco, produção de Matheus Menega. Em meio aos beats, tem bateria, teclado e sopros gravados por músicos, além de participações de Lara Rossato, Jimmy Luv e dos colegas de K-Zero Alternativo. O disco saiu em abril e vem com sementes de ipê amarelo – o amnarelo, em contraste com o verde, foi escolhido para simbolizar a vontade de fazer a diferença. Ganhou resenha no nosso site.

zudizilla luzZudizilla – Luz

O lançamento de “Luz” na internet rendeu a capa da nossa edição de março. É a grande declaração de princípios de Zudizilla, um salto do “estilo foda-se” para um discurso de razão e iluminação – sem largar nenhum dos dois, obviamente. Mixtape calcada no soul, com beats quase totalmente autorais. A produção de Matheus Menega é a própria definição da busca por um nível inédito de profissionalismo e qualidade. O disco físico tem festa de lançamento marcada pro dia 26.

TrêsUmDois – Resistência

O TrêsUmDois começou com os frequentadores da casa de número 312, onde fizeram as primeiras gravações. Essa evoluiu, mudou de lugar várias vezes e deu origem ao Kafofu Records. Hoje em dia, o TrêsUmDois é formado por Perelló, CJ, Bova, PJ, Luãn e Raí. Naturalmente, a música se forma da junção das personalidades do grupo, embaladas pelos beats de Perelló. “Resistência” tem 23 faixas que primam quase sempre pela suavidade. Veio driblando obstáculos desde o começo de 2012, para sair no mês passado.

bloodfill filosofos do amanhaBloodfill – Filósofos do Amanhã

Mixtape do ano passado, mais uma que deve ganhar um trabalho sucessor em breve. De qualquer forma, vale a referência, pois sempre é tempo de conferir a sagacidade das rimas de Bloodfill. Pra ficar só nas referências, em “Filósofos do Amanhã” ele consegue emendar nas ideias Joana d’Arc, Sarney, Dragão Branco, Hollyfield, São Silvestre e Castlevania. Beats tradicionais e a presença ilustre de Pok Sombra em várias das faixas.

Johnguen – EP Números

A intensidade no show de Johnguen e seus comparsas de Aedyz Crew vem chamando atenção desde 2011. A voz rasgada e o clima sinistro se transportam para esse EP que vem sendo lançado aos poucos na internet desde o ano passado. “Números” é a representação sonora de um pesadelo. Os títulos das músicas são de fato números (“6”, “20, “111”) e as letras em geral são igualmente tensas, como deve ser a mente do MC que as escreve.

guido furiaGuido CNR – Mixtape/DVD Fúria

Foram 15 anos e quatro discos com a Banca CNR para Guido chegar ao trabalho solo. E ele acumulou bastante raiva nesse tempo. A mixtape “Fúria” foi lançada no ano passado, e o DVD gravado em show com a praça Dom Antônio Zattera lotada, em janeiro. Na mixtape, os títulos das faixas (“Fúria”, “Entre o Crime e a Revolução”, “Prisão”, “Soldado Cansado”) já mostram o que vem pela frente: aqui a temática é a luta, seja pessoal, seja a do povo do gueto, seja no esporte (em “O Jogo”). A atmosfera sonora, naturalmente, é sinistra. Para os próximos meses, Guido prepara mais dois projetos: “Loucos, Viciados e Revolucionários” e o Projeto G2, parceria com o colega Glauco CNR.

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