O ano de Angélica Freitas

por Roberto Soares Neves

 O Ano de Angélica Freitas

O final de 2012 foi tão atípico que Angélica Freitas ainda não interpreta os acontecimentos – e aparentemente nem faz questão. Em novembro, a jornalista que anos atrás largou o emprego em São Paulo para voltar a Pelotas e ser poeta lançou seu segundo livro, “Um Útero É Do Tamanho De Um Punho”. Nele, Angélica utiliza biologia, feminismo e até o Google, mantendo uma linguagem atual, com sagacidade e (alguma) ironia, para desmontar o senso comum e dar a sua visão do universo feminino. No mesmo mês saiu a graphic novel “Guadalupe”, escrita por ela e desenhada pelo amigo Odyr Bernardi, que conta a história de uma mulher em uma road trip pelo México, atrás do último desejo da sua avó. Como saíram no final do ano, ambos ainda aguardam lançamento oficial em Pelotas para 2013, embora estejam à venda.

Pois em dezembro a Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) escolheu “Um útero…” como Melhor Livro de Poesia de 2012. E pra encerrar, Angélica foi eleita o maior destaque da literatura nacional no ano, em votação promovida pelo caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo. Mas ela diz que o sucesso não muda nada, e com a simplicidade intacta, falou sobre os dois livros, sua relação com a poesia e mais, em entrevista para o e-cult.

Nos primeiros minutos, ela contou como foi parar no Estado de S.Paulo, logo após se formar em jornalismo na UFRGS, e voltou pra Pelotas seis anos depois (“tava achando que era muito trabalho, tava longe da minha família”); falou sobre o dia a dia do poeta (“a vida de alguém que escreve é isso, é escrever, ler, sair pra ver as coisas”); e disse ter ficado satisfeita com a oficina de poesia que deu no ano passado, onde ela incentivou os oficineiros a escrever e apresentou autores a que as pessoas normalmente não têm acesso. Quando eu quis saber como ela teve acesso a eles, foi que a entrevista engrenou.

Angélica: Eu comecei a ler poesia com nove anos, porque uma tia me deu de presente uma enciclopédia chamada “O Mundo da Criança”, e um dos tomos era só de poesia. E a partir disso comecei a escrever, acho que gostei tanto de ler esses poemas que comecei a fazer os meus. Então, eu já tinha essa coisa de escrever, e algumas pessoas depois me emprestaram uns livros. Eu não tinha livro de poesia em casa, meus pais não liam poesia. Um amigo meu, o Andrei, me emprestou Fernando Pessoa e Ana Cristina Cesar. O pai dele era professor de letras da UFPEL e tinha milhares de livros em casa. O Andrei viu que eu gostava de escrever e teve essa brilhante ideia. Eu tinha 15 anos quando ele me emprestou Ana Cristina Cesar, e foi muito importante. Li e me causou um estranhamento, de ler e não entender o que estava lendo, mas achava aquilo absolutamente fascinante. E daí fiz a pergunta: “mas dá pra escrever assim então?”. Só fui ler mais poesia, ter mais acesso, quando fui morar em São Paulo. Eu lia bastante na internet quando estava em Pelotas ainda, ou em Porto Alegre, mas acesso a livro, mesmo, só fui ter em São Paulo. Aquelas livrarias enormes… E acho uma pena a gente não ter bibliotecas boas, porque, imagina, se essa biblioteca daqui tivesse um acervo importante de literatura contemporânea, acho que ia ter muito mais gente escrevendo em Pelotas.

A questão é a literatura contemporânea?

Eu acho que quando tu lê um contemporâneo, tu fica a fim de escrever. Por exemplo, pega o (Roberto) Bolaño. Tem um livro dele chamado “Os Detetives Selvagens”, que é muito legal, recomendo. O Bolaño me faz querer escrever. Quando tu lê um livro de alguém que vive na mesma época que tu, dá uma vontade de fazer igual. E isso se nota, também, quando tu lê o que uma pessoa escreve. Se ela tá lendo os autores contemporâneos.

Uma pergunta encomendada por um amigo: a poesia tem hora e lugar, relaciona-se a um tempo e a uma cultura específica ou há um tipo ideal da poesia?

(Pensa uns segundos) Vou falar da poesia que me interessa: eu acho que é aquela poesia que continua fazendo sentido, parecendo absolutamente atual, mesmo que ela tenha, sei lá, mil anos.

E é possível isso?

É possível, cara. O Catulo escreveu uns epigramas, umas coisas sobre a natureza humana, uns cômicos, outros maldosos, que não parecem ter sido escritos no último século AC. Na verdade, acho até meio arrogante falar assim, é uma coisa muito pessoal. Sou muito mais intuitiva do que racional na poesia.

 Quanto da tua poesia é intuitiva e quanto é trabalhada?

Bom… tipo, tu quer uma porcentagem?

Não, pode ser tipo um relato do processo.

Sou bastante intuitiva, cara, sou como alguém que toca de ouvido, sabe? Eu toco de ouvido. Já li sobre contagem de sílabas, como se deve rimar ou não, mas tenho a impressão de que isso entra por um ouvido e sai pelo outro. Realmente não me interessa ficar contando sílabas. Então acho que toco de ouvido, não uso partituras. Mas leio bastante e vou atrás de alguns autores que estão fazendo um trabalho que vai além de a poesia ser uma “coisa bonita”. Pessoas que questionam mais as coisas, e questionam ideias de como se deve fazer poesia. Acho horroroso dizer “tu tem que fazer assim, assado”, cada um tem que achar o seu caminho. Não é pouca coisa.

A propósito dessa comparação com música, a tua relação com a poesia tem algum entrelaçamento com a música?

Deve ter, porque, durante uma boa época da minha vida, ouvir música era mais importante do que ler. E sempre prestei muita atenção na letra. Lembro que chegava a copiar letras de música num caderno, e comprava uma revista chamada Bizz Letras Traduzidas. Porque eu queria saber o que que queriam dizer as letras.

Sei lá, faço a comparação de tocar de ouvido porque realmente não tenho muita preocupação em seguir uma receita, uma fórmula. Por exemplo, um soneto é uma forma fixa, são umas regras pré-existentes que tu te impõe quando vai escrever. Não me interessa escrever um soneto. Mas me interessa, por exemplo, inventar uma regra pra um poema.

E tu fazes isso?

Eu faço isso, mas ainda não publiquei esses poemas. Dá vontade, às vezes, de fazer um livro assim: nesse livro todos os poemas vão ter essa característica, mas ninguém vai saber, só eu. Tem um tipo de poema chamado lipograma – que não tem nada a ver com gordura nem com lipoaspiração – no qual tu tira uma letra, por exemplo, o A. O que é uma coisa difícil de fazer, porque a letra A deve ser a mais presente no português. Daí tu te vira pra escrever sem a letra A, sem a letra E. Já tenho uma série de poemas assim. E ficam divertidos.

Divertidos pra quem nota.

Não necessariamente. Mas ficam engraçadíssimos, porque é como se tu tivesse que dançar, mas tu não pudesse mexer a cabeça, não pudesse mexer o pé, tipo aquela música do Tangos e Tragédias, o Copérnico. (risos) Daí imagina, dançar sem mexer as pernas, sem mexer as mãos. E, na verdade, o lipograma é uma prática de um grupo francês chamado Oulipo, Oficina de Literatura Potencial. O Ítalo Calvino era do Oulipo. Um outro cara era o Georges Perec, que escreveu “A Vida: Modo de Usar”. Ele tem um livro chamado “A Desaparição”, que é uma novela toda sem a letra E. E parece que a letra E em francês é a letra mais usada. Então, esse tipo de imposição eu acho legal.

Vamos “entrar no Útero” então. (risos)

Entrar no útero, voltar pro útero… (risos)

um utero e do tamamnho de um punho1 556x1024 162x300 O Ano de Angélica Freitas

De onde veio a ideia do livro? Teve um momento em que ela se cristalizou assim, “vai ser um livro”?

Eu já tinha publicado um livro (Rilke Shake, de 2007), que era uma reunião de poemas que escrevi durante um tempo, e não queria fazer outra antologia, queria fazer um livro que tivesse uma unidade. Estava morando na Argentina na época (2008) e tinha muitas amigas que eram feministas e ativistas, e elas eram super engajadas mesmo, só falavam sobre ativismo. Elas viviam isso, a gente conversava muito e às vezes chegava até a quebrar pau sobre a questão da mulher. Elas achavam que eu tinha que me envolver mais, que tinha que fazer alguma forma de ativismo, porque era mulher. Mas não eram raivosas, assim, não coincidiam com essa imagem de extremista raivosa, aliás não conheço nenhuma. Eram muito engraçadas, também, e tinham uma consciência política muito forte, e achavam que eu não tava…

…não tava tendo o suficiente.

Não. Enfim, aí já nessa época comecei a escrever umas coisas sobre mulheres. E daí decidi que ia mandar um projeto para o programa Petrobras Cultural. Eu pensei: “tá, vou fazer um livro sobre mulheres”. Fiquei com essa ideia, comecei a escrever o projeto e, nesse meio tempo, acompanhei uma amiga minha que fez um aborto – isso foi na Cidade do México. Na Cidade do México, não no México todo, o aborto é legalizado e de graça pra qualquer mulher.

Mas como tu foi parar no México?

Eu tava viajando. E acompanhei essa minha amiga, fui com ela num posto de saúde na Cidade do México. Lá, apesar de o aborto ser legalizado, tem grupos religiosos que são contra o aborto e fazem plantão na frente do centro de saúde. Usam megafones, levam maquetes dos fetos em diferentes estágios de formação. Independentemente de achar uma coisa ou outra, da minha opinião sobre o aborto, a coisa era muito chocante, meio louca, não dava pra acreditar muito bem que aquilo ali tava acontecendo. E como eu tava lá dentro e tinha que sair às vezes pra comer, elas me atacavam, não me deixavam em paz. “Convence a tua amiga a não abortar, ainda dá tempo. Porque Jesus te ama”. E a gente teve que ir dois dias nesse centro de saúde e foi muito trash. A situação é horrível, sabe, ninguém vai cantando fazer um aborto. Tu vai porque tu realmente não pode ter o filho, não tem condição de criar. E a partir dessa experiência, dessa interferência dessas mulheres – eram todas mulheres, não tinha homens…

No grupo religioso?

Só mulher. E a partir dessa interferência eu fiquei pensando, “pô, mas quem elas acham que são pra se meter na vida dos outros?” Mas aí, extrapolando, eu me pergunto assim, “quem é que manda no corpo da mulher afinal?” Porque, se a mulher não pode fazer um aborto, ela não pode fazer o que quiser com o corpo dela. E tu tens uma série de impedimentos, o governo, a medicina mesmo, o médico pode se recusar a fazer, ou a dar atendimento depois de um aborto. Enfim, aí comecei a pesquisar coisas na internet sobre o corpo da mulher, e encontrei num blog de medicina a frase “um útero é do tamanho de um punho fechado”. Interessante, eu não sabia, achava que o coração era do tamanho de um punho fechado. Fiquei com essa frase na cabeça e uns cinco dias depois escrevi um poema, “Um Útero É Do Tamanho De Um Punho” – não botei “fechado” porque achei que não precisava. E já tinha então esse poema, era um poema de cinco páginas, tinha mais alguns, tinha que mandar dez poemas pra Petrobras. Aí fiz o projeto, mandei e eles aprovaram.

Nas correspondências que tu trocasse com o (autor paulista) Fabrício Corsaletti no blog do Instituto Moreira Salles, dissesse que a palavra “útero” no título poderia ser ofensiva (obs: não foi bem isso, ma bad). Porque?

Não sei se ofensiva, mas muita gente se incomodou. Tipo, quando tu escreve uma coisa, tu mostra pra um amigo. Aí perguntei o que achavam de colocar de título “Um Útero É Do Tamanho De Um Punho”. Só uma pessoa achou legal, o Vitor Ramil. Ah, e a minha mãe também, minha mãe achou legal. Ela disse: “minha filha, acho que tu tem que deixar esse, tá muito bom, tá forte!” (risos) E eu perguntei pro Vitor e ele falou que gostou, lembrou que o Nirvana tem um disco chamado In Utero. Bom, se o Vitor gostou, cara, não preciso perguntar pra mais ninguém.

Em todo o livro, mas especialmente na primeira parte, “Uma Mulher Limpa”, tu usa humor, ironia pra falar de limitações impostas às mulheres, coisas que podem ser encaradas como violência. Tu não tem nenhum problema com isso?

Sabe que nem acho engraçado o que eu escrevo? Tem ironia em algumas coisas…

Não ocorre de alguém te dar um feedback assim, achando que é sério?

Não, ocorre de pessoas que só viram ironia no livro e não gostaram.

Como assim?

Que acharam assim: “ah, esse livro é irônico”, e só, sabe? Não é só irônico. De repente, a gente estranha porque no Brasil a poesia é muito séria, cara. Tudo no Brasil é muito sério, na literatura… Se comparar tipo, com a Inglaterra… mas bom, a ironia faz parte da Inglaterra. Se tu pensar nos filmes do Monty Python, ou mesmo aquele “O Guia Do Mochileiro Das Galáxias”. Programa de rádio, programa de TV, jornal, tudo tem ironia; aqui não.

Tens uma ideia de por que isso acontece?

A gente acha que pra uma coisa ser boa ela tem que ser séria, tem que ser o mais elevada, o mais complicada possível. Não necessariamente. Na poesia as pessoas acham que tem que ter uma “ligação direta com o divino”. É possível, mas não é a minha praia, sabe, me deixa. Mas a ironia é um recurso, não é que eu pense “vou fazer um livro que tenha ironia”, mas é um recurso pra tu fazer uma crítica.

Quanto de feminismo tu acha que tem no livro?

Eu não sei te dizer. Na verdade, pra mim, feminismo é a defesa dos direitos da mulher. Pra mim é isso.

Mas existe um certo grau de feminismo no livro…

Eu acho que sim, mas é que não penso nesse termos. Infelizmente a gente ainda vive num mundo em que não existe igualdade. E é sério, cara, as mulheres ganham menos, mesmo num jornal, um jornalista ganha mais. Porque tem essa ideia de que o homem é pai de família. Então, é ridículo? É, em 2013 a gente ainda tá…

Discutindo isso…

Mas o meu livro não foi escrito com o único intuito de defender os direitos da mulher, entendeu? É a minha visão de algumas coisas, minha experiência com a linguagem. Talvez o poema mais político que tem ali no livro seja “Um Útero É Do Tamanho De Um Punho”… Mas penso que os outros também podem ser lidos assim. Acho que é um livro político sim, no momento em que fala da situação da mulher é um livro político. Tem implicações.

Tu é contra utilizar a poesia como suporte de uma causa ou só não é a tua praia?

Geralmente, quando tu começa a usar a poesia pra essas coisas, fica muito ruim. Não sei o que acontece. É uma coisa que independe um pouco da tua vontade. Tem umas coisas na poesia que, por mais técnica e leitura que tu tenha, não estão sob teu controle. Sei lá de onde vêm, do subconsciente. O subconsciente é um grande pote de ambrosia alucinógena da Crochemore. (risos) A minha relutância é botar um rótulo no livro, tem gente que enxerga feminismo no livro, tem gente que não, que acha que eu tô lidando com a linguagem. Assim, é o livro de uma mulher que se põe a observar como o mundo é em relação às mulheres ou como as mulheres são em relação ao mundo. É isso. Já me perguntaram “tu leu teoria feminista pra escrever o livro?” Eu disse, “não, pra escrever o livro não”, seria um outro livro. Peguei mais o senso comum.

Mas tu leu alguma coisa antes?

Eu li pouca coisa de teoria, alguns textos na internet. Mas é engraçada a reação de algumas pessoas. Alguns amigos meus me perguntaram: “vem cá, mas que história é essa, tu é feminista agora?” Acham a pior coisa do mundo, como se eu tivesse virado uma guerrilheira das Farc. “Que história é essa??”

E as tuas amigas feministas, tiveram acesso ao livro?

Ainda não, não mandei o livro pra elas.

E qual tu acha que vai ser a reação?

Putz, cara, não sei se elas vão gostar.

Vão achar que tu foi “guerrilheira” de menos.

Talvez, não sei, guerrilheira não. Mas só o fato de fazer um livro de poesia sobre mulheres, que não caia num estereótipo… Na verdade nem sei dizer se existem muitos livros de poemas sobre mulheres, mas acho que a tendência é ser uma coisa, assim, mais: (arrasta a voz) “a mulheer, essa coisa dooce, suaave”.

Um dos poemas fala da mulher como construção. Tu acha que existe uma mulher, um feminino, fora da construção?

Como assim “fora da construção”?

Alguma coisa que não é construída socialmente, que pode-se dizer “isso é feminino”.

Olha, é que a palavra “feminino” já tá tão associada com algumas características que supostamente a mulher teria que ter… Na verdade, a gente não tem como saber. Teria que ver, por exemplo, em tribos indígenas, como é que é. Eu acho que sempre existiu uma divisão de tarefas entre gêneros. Tudo começou na divisão de tarefas. Não sei se, em algum momento da história da humanidade, a mulher teve a mesma força que o homem, ou a mesma agilidade, mas o fato é que a mulher tem os filhos, a mulher amamenta, a mulher vai cuidar da sua prole, pra que um tigre não venha e coma… Aí começa a divisão de tarefas, e aí começam uns atributos também. Mas tem algumas características que são aprendidas, que são exageradas. Tu pode ver de uma cultura pra outra. Por exemplo, as mulheres latinas usam roupas que deixam mais corpo de fora, uma maquiagem diferente.

Não sei, eu não sou antropóloga, mas talvez algumas coisas contribuam pra ainda existir um machismo, uma discriminação contra as mulheres. Por exemplo, é muito difícil ver uma mulher dirigindo um ônibus. Porque precisa de força? Mas em outros países tu vê mulher dirigindo ônibus. E em outros países tu vê mulher trabalhando de pedreira. Enfim, eu acredito que existe uma mulher fora da construção e existem mulheres na construção civil, só que em outros países. (risos)

Sobre “Guadalupe”: tu lia gibi antes de começar a escrever a graphic novel?

Eu lia gibi, mas não muito de super heróis. Quando era pequena lia muito gibi, Turma da Mônica, coisas da Disney. Depois li aquela série Love And Rockets. E achei aquilo muito diferente, muito legal, daí comprei algumas revistas. Já adulta li o “Persépolis”, de uma autora iraniana, Marjane Satrapi, sobre quando teve aquela revolução cultural no Irã. Li um outro livro chamado “Maus”, do Art Spiegelman. Achei sensacional. Depois li uma série de graphic novels, quando me convidaram pra fazer a “Guadalupe”, que tinham saído havia pouco tempo.

guadalupe 300x300 O ano de Angélica Freitas   parte 2

Tu já tinha tentando escrever uma narrativa antes?

Tinha tentado começar a escrever uma novela, que ficou horrível, e eu botei fora. (risos)

Chegou a completar?

Não, escrevi, vamos supor, um terço da novela, achei horrível e não quis continuar. Mas daí recebi essa proposta pra escrever uma sinopse de novela gráfica. Foi aprovada, então essa é a minha primeira… bom, segunda tentativa, com narrativa. E fui obrigada a terminar.

E o Odyr entrou como na jogada?

O Odyr entrou porque eu sugeri o nome dele, gostava do trabalho dele e sabia que, como era meu amigo, a gente ia se entender. Se ele me dissesse: “olha, isso aqui não tá legal”, não ia ter problema nenhum. Se eu não gostasse de alguma coisa, também podia falar, porque a gente tem esse nível de franqueza um com o outro. Mas quem tinha sido escolhido pra desenhar a “Guadalupe” era um desenhista português que, não sei por que razão, de última hora, não pode. E quando eles me falaram que o cara não podia, eu disse: “tem um cara aqui na minha cidade, o Odyr, eu gosto muito dele”. E aí eles gostaram, um cara conhecia já o trabalho do Odyr, e chamaram. E eu fiquei super feliz, né. Dois pelotenses no livro.

Vocês tiveram muita interação pra desenvolver o projeto?

Olha, na verdade deu super certo, a gente não precisou mudar muita coisa. O que aconteceu foi o seguinte: eu ia mandando pedaços do roteiro pro Odyr e ele ia desenhando. Baixei um programa de roteiro e ia fazendo por quadrinho, fazia a descrição do quadrinho e o diálogo, descrição e diálogo, descrição e diálogo. E eu disse pra ele, “se tu achar que alguma coisa tem que ser suprimida, pra coisa andar”, porque não tenho prática de roteiro de quadrinhos, botei assim como eu imaginei, como se tivesse passando um cineminha na minha cabeça. E ele fez exatamente isso, condensou umas coisas que não tinham porquê mesmo e que não fizeram falta no fim. E tem coisas que são do Odyr ali, que ele que inventou. Tipo as divisões de capítulos, uma parte ali que ele fala das muxes, que conta a lenda das muxes. Então grande parte do roteiro é meu, mas tem coisa do Odyr ali também.

Como foram desenvolvidos ao mesmo tempo, “Um Útero…” e “Guadalupe” têm alguma relação?

Acho que têm, eu tava com isso na cabeça porque, na mesma época em que escrevi o poema do útero, escrevi a sinopse da “Guadalupe”. E as duas coisas tem a ver com o México, porque quando eu tava de passagem lá pelo México, um amigo meu me convidou pra ir no enterro da vó dele. Assim: “não, vai ser legal, porque vai ser um enterro com música e a gente alugou uma van pra sair da Cidade do México e ir até Oaxaca com os familiares. Tem lugar na van se tu quiser vir”. É um enterro tradicional mexicano. Eu tava louca pra ir, mas não podia porque estava acompanhando minha amiga, ela precisava que alguém ficasse com ela. Cara, mas perdi o enterro com música e fiquei com isso na cabeça: enterro com música. E aí quando o Joca Reiners Terron, que é um escritor lá de São Paulo que tava coordenando essa coleção, perguntou “tu acha que tu consegue fazer um roteiro pra uma graphic novel?”, respondi: “ah, me dá uns dias que eu vou pensar”. Eu pensei, “vou fazer alguma coisa com essa história de enterro, porque é sensacional”.

No momento tu tá no ciclo dos dois livros ainda, né?

Eu tô recebendo as críticas e elogios, mas já tô com outro projeto com o Odyr, que é o “Grande Livro Das Ilusões Pelotenses”.

E como estás recebendo o sucesso?

Cara, eu não sei nem o que te dizer, pra mim é… Eu nunca poderia pensar que ia ter essa repercussão. Mesmo. Achava que ia lançar esse livro e que algumas pessoas iam ficar incomodadas, sabe? Até porque tinha essa questão do título. Mas nunca poderia prever.

E muda alguma coisa pra ti?

Não. Não, eu continuo pegando o ônibus do Laranjal, não muda nada. Quem quiser me dar vale-transporte, carona… Não, tô brincando, mas não muda nada, eu não consigo ver, não sei, cara, é muito difícil saber. O que muda, eu acho, é a maneira como as pessoas me vêem, assim, mas pra mim não muda nada. O que muda é a percepção mesmo, é ter mais visibilidade.

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